PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
Produção e apresentação Jornalista e Radialista JOÃO UMBERTO NASSIF
Transmitido pela RÁDIO EDUCADORA DE PIRACICABA AM 1060KHERTZ
aos sábados das 10:00 às 11:00 horas da manhã.
Contato com João Umberto Nassif :e-mail:joao.nassif@ig.com.br
Entrevista com Lino Vitti, o “Príncipe dos Poetas Piracicabanos” realizada nos Estúdios da Rádio Educadora de Piracicaba no ano de 2001. Nascido no Bairro de Santana, Piracicaba, no dia 8 de janeiro de 1920, Vitti é casado com dona Dorayrthes, tem sete filhos, 13 netos e um bisneto. Está aposentado como diretor-administrativo da Câmara. Trabalhou na lavoura até os 13 anos. Foi bibliotecário, lançador de impostos, protocolista e secretário municipal, além de seminarista vocacional. É autor de várias obras literárias.Cidadão Piracicabanus Preeclarus, foi eleito pela Academia Piracicabana de Letras como “Príncipe dos Poetas”. Tem 7 livros publicados.
O Senhor quase foi padre?
Meus avós vieram da Itália, região de Trento, chamada Tirol, daí a denominação de tirolês! Aos 13 anos de idade fui para o seminário em Rio Claro. Quase fiquei padre, se não fiquei padre trouxe daquela escola de sacerdote toda a cultura que me serviu para a vida toda. Trouxe os princípios de religião, de educação cultural, de convivência social, de crença naquele que é o autor da vida e do universo. Nos meus estudos no seminário aprendi os idiomas: grego, latim, francês, italiano além de matemática e ciências, essas últimas matérias eu não as apreciava muito, mas tinha a obrigação cultural de aprender sobre elas.
Uma folha de figueira teve uma importância marcante em sua vida quando ainda estava no seminário?
A história da folha da figueira foi um marco na minha vocação sacerdotal. Eu estava pronto para ingressar naquela fase em que no seminário é denominada de noviciado, é um preparativo para o sacerdócio. Em uma noite, debaixo de uma figueira em um momento de recreio, estava em companhia de outros seminaristas, essa figueira era uma árvore enorme, e dela de vez em quando caiam folhas secas. Nessa noite, de repente despenca lá do alto uma das famosas folhas, enorme, amarelada, passando exatamente na frente dos meus olhos. Disse aos meus companheiros: - Meus caros companheiros esta folha esta representando a minha vocação! Não está muito firme nem muito verde! Está amarelada e secando! Por cumulo da sorte ou do destino o sacerdote que tomava conta dos seminaristas estava logo atrás de mim quando proferi essas palavras! Ele interpretou o fato como um sinal de que eu não tinha muita vocação para ser padre! Foi o sinal da figueira!
O senhor voltou a morar com seu pai?
Exatamente. Voltei a morar com o meu pai, no sítio, em Santana. Após permanecer por 6 anos no seminário, o que estranhei foi a minha casa que achei uma caixinha de fósforo em comparação com o seminário que tinha 4 andares e era enorme. Falei: - Meu Deus do céu! Permaneci ali no sítio por uns 2 a 3 anos onde trabalhei nos afazeres da roça: carpindo, apanhando café, apanhando algodão, meu pai não admitia que eu perdesse meus estudos realizados no seminário. Ele tentava sempre me enviar para a cidade onde eu teria a oportunidade de continuar os estudos. Ele tinha uma família com 11 filhos. Passei a trabalhar com um parente meu chamado Luiz Stenico que tinha um bar e restaurante bem no centro da cidade, ao lado da catedral, onde hoje existe uma lanchonete, junto ao supermercado. Passei a trabalhar nesse Bar Stenico como caixeiro. Já calculou um ex-seminarista, cheio de literatura, de estudos, trabalhar num local para vender pinga, cerveja, sanduíche, oferecer refeições. É um contra-censo. Mas com isso eu salvava a minha responsabilidade no sustento da minha pensão com cama e mesa. Dali eu fui trabalhar em um chalé de jogo de bicho que ficava um pouco acima do pontilhão da Rua Benjamin Constant, esse episódio da minha vida é marcante, não só como meio de vida, mas porque ele me incentivou em grande parte a minha vocação poética. Enquanto eu me dirigia ao chalé para os trabalhos na época eu morava na Rua XV de Novembro, perto do cemitério, e fazia esse percurso a pé, na ida e na volta, durante esse trajeto eu ia bolando na minha cachola o soneto, porque não tinha outra coisa para fazer. Ao chegar no chalé eu pegava um papel e escrevia o soneto que havia mentalizado. Assim acontecia na volta. Isso foi por volta de 1942. Assim fui acumulando sonetos feitos na ida e na volta do trabalho. Foi uma iniciativa trabalhar nesse chalé. Só que nunca tive a felicidade de ver ninguém ganhar uma bolada no jogo de bicho. O Seu Vitório e não sei bem se era filho ou sobrinho dele que trabalhava lá também, eles adoravam os meus sonetos. Com o passar dos anos meu pai conseguiu que eu me formasse em contabilidade na Escola de Comércio do professor Antonio Zanin, na qual eu tive o curso completo de contabilidade. Vou confessar uma coisa: Eu não gosto de números, de matemática, de ciências exatas! Eu prefiro literatì passei a publicar os sonetos no Diário de Piracicaba. Já fazia tempo que eu mandava os meus sonetos para o Jornal de Piracicaba, que mantinha uma seção especial chamada Crônica Social onde o Dr. Losso Neto, o Severiano Alberto Ferraz Filho, o Acary de Oliveira Mendes propiciavam a publicação de um soneto, de uma poesia, quase diariamente, eu achei que era uma oportunidade para divulgar a minha poesia, então sempre mandava. Por ai você vê que a imprensa de Piracicaba já acolhia a minha poesia, sinal que deviam apreciar. Da Escola de Comércio fui para a esquina da Rua Prudente de Moraes com a Rua Governador Pedro de Toledo, onde hoje é o Clube Cristóvão Colombo, onde na época situava-se a Biblioteca Municipal. Como eu tinha um grande amigo chamado Mário Orsi, ele sabia que eu procurava uma posição de apoio para meu progresso intelectual, ele então me ofereceu o cargo de bibliotecário que estava vago. Ele me levou ao prefeito Pacheco Chaves que aceitou a minha indicação e passei a trabalhar na Biblioteca Municipal, como se fosse um peixe dentro d’água! Ali havia livros, literatura, havia de tudo que era cultura para que eu pudesse me enfronhar. Com o falecimento do Severiano Alberto Ferraz Filho o Prof. Acary de Oliveira Mendes, que era secretário do Jornal de Piracicaba, me convidou a trabalhar naquele jornal, permaneci ali por 27 anos trabalhando a noite, às vezes trabalhava até às 2 horas da manhã. Fui convidado a trabalhar na Lançadoria da Prefeitura Municipal, onde permaneci por uns 6 anos. Em 1948 ocorreu uma mudança muito grande na minha vida. Nesse período houve a reorganização do sistema político do país. A então ditadura do Getulio Vargas passou para a democracia, essa democracia que temos aí, que ás vezes não é bem uma democracia, mas enfim serve não é? Houve a reabertura das câmaras municipais, aqui em Piracicaba tinha sido eleito prefeito o Sr. Luiz Dias Gonzaga e 31 vereadores, entre os quais o Dr. Aldrovando Pires Fleury Correa, mais conhecido como Aldrovando Fleury que foi eleito o primeiro presidente da câmara depois do período da ditadura. Era necessário que a câmara tivesse um secretário para redigir as atas, as correspondências, e os novos projetos, indicações e requerimentos dos senhores vereadores. Um dia o então prefeito Luiz Dias Gonzaga pediu ao Frederico Ferraz Orsi que era o contador da prefeitura municipal, que lhe indicasse um funcionário para ocupar o cargo de secretário da câmara municipal, a pedido do Dr. Aldrovando Fleury. O Orsi imediatamente sugeriu ao prefeito o meu nome. O prefeito chamou-me em seu gabinete e falou: - Olha Vitti, eu vou precisar dos seus trabalhos! Aliás, quem vai precisar é o Dr. Aldrovando Fleury que esta aqui no gabinete. Vou querer que você vá secretariar. Eu disse: - Mas “Seu” Luiz eu não entendo nada de câmara, nada de leis... Ele então me disse: - Não é você que escreve em jornal? Faz poesias em jornal? Respondi: - Sou eu “Seu” Luiz! Ele disse: -Então você vai ter capacidade de redigir uma ata, de escrever um oficio, escrever qualquer coisa para os vereadores. Eu tive que me curvar a vontade do prefeito e a do presidente da câmara que me nomearam secretário. Sempre agradeci a ambos por terem me escolhido. Permaneci na câmara por 38 anos.
Como foi o episódio ocorrido na câmara que provocou o pedido de renuncia do Prof. Acary?
Esse episódio envolveu o Prof. Acary de Oliveira Mendes, que era vereador da oposição, ele apresentou um projeto para que fossem instaladas pela prefeitura diversas escolas no município. A situação não queria que o projeto fosse aprovado, achavam que a constituição proibia, tinha aqueles artigos que confundem todo mundo, ao final da contenda o Prof. Acary disse: - Se uma câmara, se os vereadores, se o prefeito não querem que Piracicaba tenha escolas eu renuncio ao meu mandato! Ficou um clima de suspense. Era a primeira renuncia que se observava na câmara. O vereador Dr. Noedy Krahenbuhl Costa, brilhante vereador, inteligente, poliglota, ele reagiu e acompanhou o colega Acary com o pedido de renuncia, só que naquela ocasião ele proferiu uma sentença que ficou histórica e está na ata que redigi, dando como motivo da renuncia que ele não poderia participar de uma câmara municipal que era um “bando de Panurgos tangidos por um almocreve” (Panurgo, personagem de Rabelais, atirou por vingança, um carneiro ao mar e todos os demais carneiros em ataque suicida, acompanharam o que tinha sido vitimado; almocreve é o homem que acompanha bestas de carga).No caso o almocreve seria o prefeito da ocasião. Um outro episódio que aconteceu foi quando Prof. Manoel Rodrigues Lourenço era o presidente da câmara, e o vice era Geronimo Bastos, só havia um gabinete para presidente e presidente, eles não se entendiam muito bem. O vice passou a ocupar o gabinete do presidente, que se sentiu ofendido. Dirigiu-se ao diretor da câmara para elaborar uma placa escrevendo: “Gabinete da Presidência”. Eu redigi o cartaz e coloquei. O vice-presidente continuou ocupando o gabinete. Eu disse a ele que existia um cartaz dizendo ser proibida a permanência de qualquer pessoa que não fosse o presidente da câmara. O vice-presidente disse então: -Só que você escreveu em letras muito miúdas. Quero que escreva em letras garrafais!
O senhor conheceu o “Nhô Lica”?
Ele tinha uma fortuna em pedras “preciosas”. Ele andava pela rua a cata de pedras e as depositava em bancos como se fossem pedras preciosas, diamantes, esmeraldas, era uma pessoa conhecida por toda a cidade. O pessoal do banco como já o conhecia recebiam os seus depósitos e simulavam um recibo, carimbando um papel. Só que acho que ele nunca foi retirar os valores por ele depositados. Nunca fez um saque, só depositava! Quando ele faleceu, cheio de sentimentos pela sua morte, redigi um soneto em sua homenagem.
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