
LINO VITTI
Ao historiador piracicabano não será licito esquecer de registrar nas páginas da formação desta
comunidade, a existência dos bairros cuja população tem raízes fincadas na imigração trentina,
exatamente de famílias originárias da região do Tirol, do qual o adjetivo pátrio a eles pespegado de "tiroleses".
A maior contribuição histórica nesse sentido devemo-la ao Professor Guilherme Vitti, cujos estudos na busca daquelas origens têm ensejado um conhecimento quase perfeito dos núcleos habitacionais, aspectos físicos e psíquicos dos bairros de Santana, Santa Olímpia e Négri. Este escriba também, através de numerosas crônicas publicadas na seção "Prato do Dia", do Jornal de Piracicaba, teve oportunidade de focalizar em estilo literário, mais do que histórico e informativo, a terra, a gente, a vida, os costumes dos tiroleses piracicabanos, pensando dessa forma haver contribuído com um pouco de seus conhecimentos, na divulgação dessas prósperas comunidades sediadas em território municipal de Piracicaba.
O DIALETO
Até uma dezena ou pouco mais de anos atrás, os trentinos dos mencionados bairros viviam como
que isolados, distantes da vida da urbe, parecendo estar envolvidos num casulo estranho. Apesar de haverem eles sido aquinhoados com um grupo escolar, hoje denominado "Dr. Samuel de Castro Neves", os tiroleses persistiam em falar o dialeto nas conversas entre si e nas famílias, criando-se interessante dualidade de línguas: uma, para uso doméstico; outra, para uso na sala de aula com os professores e pessoas visitantes, isto é, no relacionamento com quem falava o português. Nesse dialogar ou conversar podia-se facilmente perceber o profundo sotaque do dialeto tirolês, ou trentino, mormente nas sílabas anasaladas ou no é com circunflexo, quase sempre proferido como é, aberto. Assim, você, o tirolesinho pronunciava vocé.
Hoje, o dialeto é apenas de uso dos mais velhos dos bairros, já que as gerações sucessivas foram
assimilando mais, e mais o português, passando a ser atualmente de uso corrente. Para que isso
entretanto ocorresse, foi necessária uma assimilação lingüística de mais de cem anos, sucedendo-se, no mínimo, cinco ou seis gerações. Nesse aspecto, fico a pensar como deve ter sido difícil às mestras e mestres do Grupo Escolar "Dr. Samuel de Castro Neves", meter na cabeça da criançada que falava 20 horas o dialeto e apenas 4 o português.
A LAVOURA
Os trentinos dos bairros de Santana, Santa Olímpia e Fazenda Négri começaram sua lavoura
tratando, plantando e colhendo cafezais. O café estava no auge da economia brasileira e as terras ainda cobertas de florestas se prestavam ao trato daquela plantação. A rubiácea se estendia em imensos talhões, ocupando toda a mão de obra dos tiroleses todo o dia e durante o ano todo. Plantava-se, carpia-se, formava-se, colhia -se, peneirava-se, ensacava-se, carregava-se, vendia-se café. O casarão, onde viveram escravos e senhores, tinha ao lado uma enorme construção, onde labutava diuturnamente um beneficio de café. Cheguei a conhecer algumas das máquinas daquelas indústrias. O edifício posto a baixo só está na
lembrança dos mais antigos. É que a indústria e a lavoura cafeeiras tiveram seu declínio, o que obrigou os tiroleses piracicabanos a outros meios de ganhar a vida e sustentar a família. Depois do café, foi tentada a lavoura variada Milho, arroz, feijão, batatinha, algodão. Foram os cereais os mais cultivados. Cada família tinha a sua vaca leiteira, sua horta e o chiqueiro onde vivia sempre um capado no ponto de faca.
Criavam-se galinhas, perus e alguns patos. As terras, entretanto, foram emagrecendo. O húmus absorvido pelas sucessivas safras, já denunciava esgotamento: As lavouras não vicejavam com a mesma imponência de anos atrás. Deu-se então, e com a idade, pretérita de 141 anos mais ou menos, a procura de outro tipo de lavoura: a cana-de-açúcar.
O CICLO CANAVIEIRO
É sabido que a cana-de-açúcar não é muito exigente em matéria de uberdade de solo. Mesmo com poucas chuvas e terras magras, a conhecida gramínea completa seu ciclo vegetativo e chega a render algum lucro ao plantador. Com o esgotamento das terras, ocorrido em virtude dos sucessivos anos de aproveitamento, os lavradores dos bairros tiroleses de Piracicaba se entregaram a cuidar da cana.
Ajudou-os nesse desiderato, a projeção que esse tipo de cultura teve no país, com especial destaque, no Estado de S. Paulo. A proliferação de usinas de açúcar atestam esse crescimento.
A indústria usineira, que em Piracicaba é evidente, encorajou os sitiantes ao plantio de gramínea. De tal sorte que hoje somos vistos como um dos maiores produtores de açúcar e álcool. Em referida indústria e lavoura se insere grande parte da cultura do Município. Santana, Santa Olímpia e Négri não fugiram à regra geral e ao que parece, o ciclo canavieiro se expandiu com rara felicidade por todas as terras municipais, trazendo ao homem que cuida da cana, novas e alentadas esperanças, maior tranqüilidade de trabalho e de vida.
A mecanização agrícola é fator preponderante no enriquecimento do homem do campo
piracicabano, hoje acompanhando de perto a arrancada do progresso e dos confortos materiais. Tem-se a impressão que o ciclo da cana se deu muito bem nos terrenos dos referidos bairros rurais, inclusive tem propiciado um crescimento excelente de moradias, de novas residências, de reformas subs tanciais nas antigas, enfim, há como que um sopro de felicidade pelos lados daqueles munícipes, que têm recebido,
inclusive, todas as atenções dos poderes públicos piracicabanos, cercando-os das obras necessárias à facilidade de vida.
A CULTURA TIROLESA
Graças aos trabalhos dos mais antigos moradores junto aos políticos da cidade (o nome bem mostra que foi assim: "Grupo Dr. Samuel de Castro Neves"), os unidos bairros puderam ver-se presenteados com a sua,primeira Escola Reunida, lá pelos idos de 1923, a família Jorge Vitti, da qual, meu saudoso pai foi o filho mais velho e o primeiro servente da escola, doou o terreno e arrebanhou mão de obra e material para a construção do prédio, um excelente edifício com 4 amplas salas de aula, dois escritórios para a diretoria, um grande pátio para os recreios.
Os filhos dos tiroleses começaram a ter contato com a cultura. Eu, Guilherme Vitti, Mario Vitti, Valter Vitti, Rubens Vitti, Dom Moacyr, bispo de Curitiba, Pe. Artur Vitti, e incontáveis descendentes, netos dos primeiros imigrantes que vieram de Trento, do Tirol. Foi na generosa escola que aprendemos as primeiras letras. Foi lá que tiveram início os meus sonhos. Foi lá que lá que tiveram início as carreiras de muitos que hoje militam em Piracicaba, contribuindo com a sua cultura, seu trabalho, seus conhecimentos para humanizar a vida da cidade.
Este que escreve estas notas, aprendeu no hoje Grupo Escolar "Dr. Samuel de Castro Neves", que iniciou sua atividade com o nome de "Escolas Reunidas de Santana". Quem diria que um dia, o filho do servente José Vitti, ocuparia o cargo de Diretor Geral da Secretaria da Câmara de Piracicaba; escreveria em Jornal da cidade; produziria 3 livros de poesias? 1 Quem cogitaria que 6 primeiro aluno matriculado na Escola Reunida de Santana, Guilherme Vitti, viria a ser o professor de Latim, o historiador do Município e da cidade, o Secretário de Administração da Prefeitura de Piracicaba, o vereador de Piracicaba, o escritor e jornalista de Piracicaba, uma rara inteligência a serviço da cultura piracicabana e nacional? Quem diria mque o mano Valter Vitti que ajudou a gente do sítio a apanhar café, algodão, capinar milho e arrancar
batatinha, iria ser o gerente das Casas Peruam, bucanas, depois o professor, e aposentar-se como Diretor mde Grupo Escolar? Quem diria que Rubens Vitti, que foi quase Padre, chegaria a ocupar o cargo de Diretor Geral da Secretaria da Câmara de Piracicaba, onde se aposentou? Quem diria que o menino Moacyr Vitti, brilharia na carreira sacerdotal e um dia chegaria a bispo de uma das capitais brasileiras, Curitiba? Quem diria que o mano Artur Vitti, o mais moço dos irmãos que frequentaram o seminário de padres, viria a ser vigário de uma Paróquia - Santa Edvirges - do Rio de Janeiro? Quem diria que Jair Vitti, humilde filho de
pedreiro, hoje brilharia como estrela de primeira grandeza no manejo musical, onde é perito no saxofone e que está agora procurando transmitir aos meninos a sua cultura musical e artística? Quem diria que centenas de jovens santanenses, banquistas e negrinos, estariam espalhados por ai, lecionando, trabalhando como técnicos industriais, dando aulas em estabelecimentos de ensino, desenvolvendo mil e uma atividades culturais, industriais, técnicas, religiosas, políticas, sociais e humanas?
Tudo, fruto da modesta escolinha plantada por Samuel Neves ao lado de meu pai. É claro que no relato sucinto que ai fica, há muita coisa ainda a acrescentar, do que pedimos escusas porque o espaço não comporta, e o elevado número de descendentes não mo permite.
SANTANA E O MUNICÍPIO
Se demorou muito aos moradores dos bairros, objeto deste estudo, um contato mais efetivo com a cidade, as obras públicas municipais entretanto não se fizeram esperar. Assim é que hoje eles contam com rede de água e esgoto, assistência tecnológica rural, modernos templos religiosos e melhoramentos de suas estradas. Ultimamente tem-se cogitado o asfaltamento das estradas vicinais que ligam os bairros a rodovias estaduais já asfaltada$, e a prefeitura, como um de seus últimos empreendimentos, tem levado à vila de Santana, o que deverá se estender a Santa Olímpia e Négri, o beneficio das guias e sarjetas. É a presença do Município, é a caracterização da importância que se dá àquelas comunidades progressistas participantes da vida, da história, da cultura, do engrandecimento de Piracicaba.
E graças ao trabalho do Prof. Guilherme Vitti, hoje está estabelecido um intercâmbio históricocultural entre os moradores de Santana, Santa Olímpia e Négri e os tiroleses de Trento, na Itália.
Numerosos munícipes daquelas comunidades já viajaram para as plagas trentinas em visita a parentes. O próprio professor Vitti foi premiado com uma viagem ao Tirol, mais precisamente, a Cortezano, onde vivem descendentes e parentes dos antepassados, o que vai enriquecer ainda mais a sua pesquisa e os seus conhecimentos sobre as tradições, fatos e pessoas trentinos, dando-lhe oportunidade para acrescentar muito neste relato, que por deficiências do autor, deixa de ser completo.
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