
Lino Vitti
Poetas, escritores, pintores, músicos e cantores, atribuem ao luar belezas e encantos, estranhável então que eu intitule este trabalho redatorialístico com um título onde se negam essas qualidades naturais do astro noturno, outrora amigo dos namorados e dos românticos, hoje já não tanto porque o homem foi mexer lá no infinito com a Lua cheia, fazendo caminhar por ela os sapatões de americanos descobridores primeiros desse continente celestial. E aí a Lua ficou conhecida como uma coisa estéril, sem rios, sem verde, sem gente, sem aves, sem animais. Apenas coberto de crateras mortas, inadequada portanto a provocar quaisquer pensamentos ou sentimentos de amor e romantismo. Começo este trabalho inserindo nele selene porque está muito ligada ao que vou desenvolver adiante, como principal motivo desta triste história de um raro pássaro de que se ocupou a imprensa semanas atrás.
Chamada de urutau o que muitos ignoram pois é raro mesmo o aparecimento dele à vista do homem, essa ave de vida e hábitos noturnos, foi mencionada pelo “O Estado”, despertando a curiosidade popular, vista num logradouro da ciclópica S. Paulo . A imprensa local em edição de semana atrás, teve a felicidade de fotografar e publicar a figura do urutau que por casualidade rara veio morar num poste de uma rua desta cidade, onde recebeu o olhar curioso de muita gente.
O que sobressai no estranho pássaro é a feitura. Em minhas andanças pelos bairros de Santana, Santa Olimpia e Fazenda Negri , tive a possibilidade de conhecer, já faz alguns anos idos, a rara ave , ao vivo, como diz a tevê, pois só tinha uma vaga idéia do que fosse o urutau porque entrava apenas como objeto de brincadeiras em meus tempos de longínqua infância. Havia crianças que se diziam ser o urutau e saiam pelo terreiro de braços aberto, soltando gargalhadas, porque o canto do pássaro é realmente um gargalhada esquisita em meio da madrugada da roça. Deu-me conhecimento dele o teatrólogo de Santa Olímpia Francisco Degáspari. É ave de curiosos costumes, foi explicando o Chico. Veja lá: ele fica pousado na ponta do galho seco mais alto de uma árvore, por aproximadamente 40 a 50 dias, imóvel, mimetizado com o galho da mesma cor de suas penas, chocando o único ovo que ele bota e fixa naquela pontinha que é o seu ninho para a criação. O filhote aparece com a cabecita entre as penas da barriga paternal ou maternal, cresce, alimentado pelo urutau com besouros, mariposas, borboletas, abelhas e lagartixas, que porventura apareçam circulando ao redor das lâmpadas da rua, durante a noite. Ao vir dos albores da manhã, o urutau solta seu canto (gargalhada assustadora para muitos que não o conhecem) e vai para o pico do galho seco recolhendo-se na mesma imobilidade e silêncio durante todas as horas da luz do dia. O urutau – acentuou o amigo Francisco – deve ser uma ave emigratória, pois só aparece por estas bandas nos meses de setembro, outubro e novembro, sumindo nos demais meses do ano, não se sabe para onde.
O urutau é um pássaro feio. Digam-no os que o viram ao vivo ou em fotografia. Essa feiura tem explicação folclórica. A lenda conta que certa jovem feia, estava ansiosa por casar, entretanto devido às suas poucas qualidades de miss universo, sobrou como solteirona e um dia desanimada e descrente do mundo fugiu enveredando por um caminho em meio da floresta. Acontece, como em todas as histórias desse gênero que em meio ao caminho, em plena noite de lua cheia, sentou sobre um tronco à beira da floresta... Para surpresa da infeliz, aparece um cavaleiro que ao vê-la em pranto e solitária, condoeu-se dela e para a consolar, sentou-se ao lado. A sombra das árvores encobriam o rosto da moça feia. Conversaram. Tempo decorrido a lua foi galgando o céu e o cavaleiro – decerto um príncipe – foi constatando claramente o quanto feia era a jovem. E então perdeu todo o entusiasmo, levantou, montou a sela do rico cavalo ajaezado e partiu, deixando a desgraçada moça feia envolta em pranto.
Foi o momento em que apareceu a bruxa. Aproximou-se da jovem, soube de sua desventura e indagou dela o que desejava ser. Um pássaro, foi a resposta. E imediatamente, graças aos poderes mágicos de uma bruxa e à tristeza e desconsolo no amor de uma infeliz mulher, apareceu no mundo o urutau, sem penas coloridas, sem canto que preste, sem que desfrute a luz do dia, sem que tenha um ninho fofo e belo para seu filhotinho, sem nada que lembre a beleza e a maviosidade de um pássaro feliz.
E tudo por quê? Porque um raio de luar teve que espancar a sombra que cobria a feiura de uma infeliz desiludida e mostrá-la a um príncipe aventureiro que parou no caminho, talvez movido pelo amor, supondo tê-lo encontrado naquela figura de desespero sentada, em prantos, à beira do caminho.
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