
Lino Vitti
O professor Manoel Rodrigues Lourenço foi Mestre, Vereador. Escritor, Pintor e amoroso expoente cultural de Piracicaba, além de cantor e compositor caipira, atividades todos que exerceu com convicção, dedicação e sublimada intenção de servir à terra onde vivia e exercia seu magistério, com carinho e eficiência,
Quando Vereador, foi Presidente do Poder Legislativo, dignificando com seu trabalho a política e a administração piracicabanas. Foi quando – eu como poeta ele como pintor – falávamos, nos intervalos dos trabalhos legislativos, da poesia e da pintura. Certa feita comentávamos sobre a riqueza municipal que é a cana de açúcar, com suas usinas valiosas, sua plantação ocupando totalmente o território do município de Piracicaba, colocada entre os mais importantes produtores açucareiros do país. E de conversa em conversa fomos trocando ideias sobre todos os assuntos, até cairmos naquele que nada tinha a ver com as atividades camarárias: a poesia e a pintura. Ideia vai, ideia vem, o professor Lourenço que então era presidente da Câmara Municipal de Vereadores, e eu, Diretor da Secretaria, manifestou a intenção e oferecer-me uma pintura de sua lavra, como presente e recordação dos idos tempos de nossa participação na vida municipal. Ora, eu que amo pinturas caprichadas e coloridas à moda antiga, mais do que depressa, aceitei.
- E o que você gostaria de ganhar, perguntou o artista-vereador-presidente.
- Pensei um pouco e respondi: que melhor presente senão o de que estávamos falando sobre a queima da cana, que eu acho uma judiação? Aguardo então.
Passados poucos dias, o professor me aparece sobraçando a misteriosa obra de sua arte pictórica. Demorei para rasgar o papel que a protegia, mas quando pude fazê-lo quase desmaiei. Que arte, que eficiência, que realidade, que valorosa composição. Maravilha de quem foi verdadeiro artista e amigo. Lá está registrada por seus valiosos pincéis a queima de um talhão de cana, tão perfeitamente por suas pinceladas geniais, que a cada vez, como fiz agora de pouco, que olho para a tela – minha vizinha de computador – tenho a impressão exata de estar diante de uma realidade desta terra canavieira, inconteste produtora dessa riqueza nacional e mundial.
Minha sensibilidade poética não admite que o fogo lamba gulosamente com suas línguas diabólicas aquela vastidão de cana de açúcar que cobre o território municipal e os de outras regiões, porque é uma demonstração de tortura infernal. Seria o inferno que brotou do chão e se pôs a devorar os canaviais verdes e trementes às brisas, As labaredas são insaciáveis e se alteiam como gigantes devastadores, ansiosos por devorar, por destruir, por transformar em fumo jogado à imensidão do céu, escondendo o sol, se for dia, erguendo chamas brutais e iluminar a escuridão, se de noite, sempre todavia deixando atrás de si a dor das canas soluçantes, cegando com seu fumo a lua cheia.
Cortadores, carregadores, limpadores de qualquer espécie semelham fantasmas, rostos fuliginosos, chapeirões fumarentos, olhos lacrimejantes, porque a imensa fogueira dos canaviais assim os presenteia em seu trabalho. Tudo isso porém é passageiro. Logo mais e ao vir do sol de amanhã, as canas negras e as toneladas sacrificadas pelos podões ou máquinas cortadeiras, serão nada mais nada menos, do que a brancura do açúcar que vai para adoçar o mundo. Incrível o que podem fazer o homem e a natureza unidos para o bem-estar e a alimentação humana!!!
Essas e outras ideias que não caberiam todas numa singela crônica poética, me visitaram enquanto contemplava a tela generosa do professor Manoel Rodrigues Lourenço, pincelada decerto num momento de feliz e competente inspiração de um pintor do gabarito como foi ele, num momento em que esqueceu a viola e a guardou para poder presentear-me com o melhor presente que um amigo me poderia oferecer.
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