
EPÍLOGO
(Capítulos finais)
E o século findou prenhe de grandes obras,
O estrépido dos trens com noturnas manobras,
as irmãs, o coreto, as bandas e as esco1as;
eleições, Presidente, intendentes, edis.
Mil novecentos veio e trouxe tantas novas,
tantas que nem sequer cabem em poucas trovas
ou num rol pobretão de rimas juvenis.
Por isso passo ao largo, apenas convidando
o leitor a pensar e contemplar pensando
na cidade de agora e a cidade de então.
A vontade, o trabalho, o esforço de seus filhos
seguindo, sem descanso, os mais diversos trilhos
da aventura, da fé e total dedicação!
Seguindo o exemplo dado aos pósteros como eles
Namorados do bem, da labuta daqueles
que na história da terra eram os povoadores.
Como aqueles também hoje em dia se luta
para que a terra seja essa coisa batuta
- um pedaço de chão cercado de esplendores.
Como a deles a vida há de seguir cantando,
o pessimismo atroz daqui sempre expulsando
tendo em mira construir sociedade especial.
O burgo nos deixou o exemplo dos maiores,
o exemplo de um viver de beleza e suores,
na concretização do maior ideal.
Se o velho Capitão Povoador ressurgisse
e com olhos reais Piracicaba visse
“cheia de encanto e flor” como a cantou o poeta (Newton de Mello)
choraria de susto e de alegria imensa
por ver a seu labor tamanha recompensa,
por ver que vã não fora a busca dessa meta.
Veria a povoação feita cidade grande,
metrópole quiçá que progride e se expande,
de vila a freguesia, em cidade afinal.
Veria o Padroeiro abençoando as raças,
a rede, em profusão, de avenidas e praças,
ou cada ocupação bravo profissional.
Veria que a capela outrora tão catita
seria catedral, vistosa, ampla e bonita,
multidões de fiéis a cantar e a rezar.
E veria decerto os seus filhos dispersos,
espalhados aquém e em países diversos,
as ciências e o trabalho em dose cavalar.
Veria que a campina antes improdutiva
ora se transformou nessa lavoura viva
de canaviais ciciando à brisa mensageira.
Veria apendoar os milharais verdoengos
Os louros arrozais mexendo ao vento em dengos
de moça sensual em longa quebradeira.
Veria o picadão que o bandeirante ousado
em meio à mata abriu com braço denodado
feito via que vai ligando extremo a extremo.
A larga fita negra estendida no asfalto
que leva o cidadão, num minuto, de um salto,
ao impulso veloz como em dorso de um demo.
Veria muito mais. Veria o burro, o trole,
o cavalo, a carroça, a fornalha da fole,
toda essa cacaria, essa curiosa tralha,
o burro e o cavalo em motores transfeitos,
os carroções de boi em caminhões perfeitos,
veria o forno de aço em lugar da fornalha.
A escolinha singela envolvida em saudade
veria agora ser alta universidade,
que o humilde professor virara catedrático;
que o passo do povoado a subir lento os montes
fez-se marcha a buscar os largos horizontes;
que o teórico virou rapidamente prático.
Que a enxada gemedora e atônita da roça
da mão do lavrador desajeitada e grossa
virou tudo trator de uma lavoura extensa.
Machado e foice são serra motorizada
que avança com furor na árvore apavorada
em minutos destrói matarias imensas.
Veria, no entretanto, infeliz, que o seu rio
por força da injustiça e humano desvario
sucumbira ao fragor do insólito progresso.
Vê-lo-ia poluído, agonizante e feio,
Podendo-o comparar, sem mínimo receio,
Ao escorrer do pus de fétido abcesso.
O salto nem sequer lhe lembraria aquele
Que cortou-lhe o caminho e o fez escravo dele
Chamando-lhe atenção a “beleza sem par”. (O. Bilac)
Choraria de dor, de desesperos loucos,
Frente a todos que estão esquecidos e moucos,
E a tragédia não vêem do rio a se findar.
Foi ele que atraiu um dia o bandeirante
Com a sua largura e um salto tão pujante,
Com tanta limpidez de suas águas claras.
O homem enamorou-se e o rio, agradecido,
Deixou o Povoador na beleza envolvido
Parando ao pé do salto os barcos e as igaras.
Ficaram, desde então, unidos num só sonho
prometendo ao local um futuro risonho
que a vida, muita vez, consegue destruir.
E aquilo que então fora uma promessa linda
desfeita estava agora, agora estava finda,
estava sepultado um glorioso porvir.
O rio já sucumbe à imundície assassina,
conspurcaram o véu da Noiva da Colina,
preconiza-se a morte e esta, em breve, virá.
É bom que o Capitão desfaça-se do sonho
antes do que assistir a esse quadro medonho
que logo e fatalmente o rio nos será.
Cala-te, minha pena, eu te suplico e imploro
porque a terra que eu amo, a terra que eu adoro,
perdeu o rio que era a vida e o seu valor.
Não mais resisto ao pranto, choro convulsionado
se rola, em mortandade, o peixe trucidado
ao tóxico poder de um mundo matador.
A máquina quebrou, a tecla já não bate,
eu me sinto vencido, enfim, neste combate
e o cansaço me aflora à tona da epiderme.
Quem mais quiser saber da história aqui contada
compulse o Manual de História, escrevinhada
pela alma cidadã do Professor Guilherme.
* * *
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