
Lino Vitti
Embora não se admita, toda poesia tem uma razão de ser. Provindo do âmago da alma
envolve certamente o aluvião de sentimentos e espiritualidades próprios do espírito humano e é
natural que deseje um dia sair do arcabouço íntimo do poeta e, qual crisálida, bater asas e voar pelo azul da vida afora. Quem se dedica à poesia sabe perfeitamente que temos dentro de nós um
impulso tremendo de comunicação, queremos a toda força que todas as pessoas participem conosco de todas as belezas objetivas e subjetivas da poesia.
Este poema latejou por décadas de anos dentro de mim. Queria oferecer uma poesia aos
meus conterrâneos à posteridade onde a minha terra natal fosse personagem principal do poema.
Relendo o MANUAL DE HISTÓRIA PIRACICABANA, do meu mano e historiador Prof.
Guilherme Vitti, percebi que poderia estar aí a inspiração para saldar minha divida poética com
Piracicaba, a que nenhum ou poucos versos dediquei ao longo de meus três livros editados. Não
diria que fosse ingratidão, para com minha terra, já amplamente cantada em versos por Lagreca,
Newton de Mello, Júlio Soares Dihel e outros. Seria, sim, um gesto de amor de filho para com a
mãe. Mãos à obra, eis redigido e completado o poema, uma história da cidade em versos, evento
raro no cenário da literatura nacional e quiçá universal, se não perfeito, ao menos recheado de
muita dedicação e muita vontade de homenagear Piracicaba.
Eis ai, resumidamente, o porquê deste poema. Sinto-me realizado pela Edição da
municipalidade, através de seu prefeito José Machado e de sua Secretaria de Educação, comandada pela professora Maria Cecília C. Ferreira, de vez que esse gesto oficial como que vem suprir definitivamente a minha ingratidão poética com esta poética terra.
Não digo “Muito Obrigado” porque nada paga o benefício cultural com que Piracicaba foi
agraciada no transcorrer do seu 224º ano de fundação. O nosso - meu e de vocês - muito obrigado é a Deus que devemos dirigi-1o.
Piracicaba, 9 de julho de1990
“IN PRINCIPIO”
No princípio era o sonho da floresta
- o sol por entre ramos, - que se enfresta
numa orgia de luz,
doura a paisagem onde a mata impera
e aos pinchos a peixada deblatera
- a cascata a seduz.
No princípio era a tribo do selvagem,
araras e maitacas na folhagem
com metálica voz.
Os macacos brincavam pelos galhos,
a indiada se escondia nos atalhos
em carreira veloz.
Até as margens do rio vinham troncos
ouvir da catadupa os longos roncos
qual longínquo trovão.
Barbas verdes pendiam do arvoredo
e as orquídeas brilhavam no balcedo
em festivo florão.
O rio imperador rolando vinha
em tronos de verdura, mas detinha
o passo corredor,
porque a pedra cavava-se em abismo,
parecia sorrir-se com cinismo
num gesto ameaçador.
Aos corcovos – corcel desembestadoo
rio entre gargantas apanhado tombava com fragor.
a esse tempo era um rio altivo e nobre,
não tinha essa tristeza que hoje o cobre,
roncava o seu valor.
Que fartura nas belas piracemas,
Quantos saltos mortais e estratagemas
do peixe pra subir.
Tão grande era o pular da peixarada
Que se o sol enviesava a luz dourada
Vinha um íris luzir
E ante tanta fortuna por Deus dada
Como aquela empolgante peixarada
O indígena parou.
Botou cidade de ocas de sapé
E na margem do rio fincou o pé,
Sua taba formou.
E o selvagem gritou: Piracicaba!
Rio do peixe que jamais acaba,
Riqueza de valor!
Vem o estrangeiro e monta sua tenda,
Vem o grande senhor e põe fazenda
Ao lado e ao derredor.
E a taba vira aldeia e esta, a vila,
Reina a paz, um sol cálido cintila,
A vida faz feliz.
Vêm bandeiras de gente, vem o frade,
Aventureiros vêm buscar felicidade
Nas minas-chamariz.
Vêm em bando também muitos pioneiros,
criminosos talvez e prisioneiros
em busca deste chão...
O picadão perfura a imensa mata...
Na colina defronte da cascata
Já chega o picadão.
A cobiça das ruínas, o ouro oculto
na sua profundeza inda sepulto,
caminho do sertão.
E lá se vão as levas e mais levas
em pleno dia ou no negror das trevas
atrás do ouro-ilusão.
É jornada de louco que se atira
buscando um brilho atávico-mentira
- miragem que seduz.
Porém o sonho anima-os e sustenta,
a aventura os sacia e os acalenta,
seguem-na qual luz.
Abriu-se urra clareira na floresta,
a manhã era linda e a terra em festa
viu um teto surgir.
E um mais e muitos outros vão surgindo:
a igrejinha, o povoado que sorrindo
acenam ao porvir.
E chega o Capitão, e chega o “seo” vigário.
um traz espada à mão, outro, rosário,
ambos grande sonhar.
Um traz as leis e a ordem; outro, a sotaina;
um a farda que brilha, outro só quer a faina
de aos corações amar.
Feliz Piracicaba cujo início
foi todo autoridade e sacrifício
- Barbosa e Frei Tomé.
Duas vontades férreas que nos deram
virtudes e coragem, nos fizeram
paradigmas de Fé,
A Cruz e a Espada, o Rei da terra, o Cristo
Uniram-se para, hoje, sermos isto
que somos, povo meu.
Povo de amor, de fé, de caridade,
de esperança, com tal intensidade
que não creio haja ateu..
E foi sob este signo que um dia
de sol a vila fez-se freguesia
e cidade também.
Para banir o reino do demônio
foi nomeado padroeiro Santo Antônio
que até hoje ainda tem.
Conta a lenda ser outra a padroeira
- a Virgem dos Prazeres - milagreira,
mas Barbosa não quis.
Porque se chama Antônio - diz a história -
deserdou-A de tão sublime Glória...
e sentiu-se feliz,
só quando sobre o altar da nova igreja,
como santo que ao povo seu proteja,
Antônio colocou...
Que foi feito da Virgem Mãe Senhora?...
Um cortejo de anjinhos dá-lhe o fora,
rio abaixo A levou!
Que sublime disputa, que gloriosa
dedicação Piracicaba goza
com protetores tais!
Grato destino os santos que a protegem,
que os caminhos pretéritos lhe regem
com mantos divinais!
Santo Antônio dos Peixes, Santo Antônio
que expulsou dentre os homens o demônio
Santo Antônio do Mar!
Que ante o divino e eterno Sacramento
fez um dia ajoelhar-se até um jumento
para Deus adorar!
Santo Antônio que gruda o pé cortado
daquele infelizardo e tresloucado
que à mãe não atendeu.
Santo Antônio que ajuda a achar as cousas
que ressuscita e faz saltar as lousas,
revive quem morreu!
Santo Antônio que faz reandar os coxos,
que limpa do leproso os sinais roxos,
as máculas do mal.
Santo Antônio que faz jogar muletas,
presente sempre em nossas horas pretas,
Santo Antônio – fanal!
Santo Antônio a que as aves obedecem,
que tem eflúvios para os que padecem,
és nosso protetor.
Piracicaba ergueu-te um grande templo
que da janela, ao pôr-do-sol contemplo,
a alma toda fervor.
Do humilde altar em que te colocaram
e ante o qual tão contritos se ajoelharam
os nossos ancestrais,
vemos hoje, entre luzes e esplendores,
tua glória crescer e os teus amores
para conosco, mais.
Nós somos filhos teus, somos os êmulos
daqueles velhos bons, doces e trêmulos
te erguendo humilde altar.
Deste-lhes forças e coragem, deste
a eles visão e inspiração celeste,
um sonho a realizar.
Santo Antônio, da Glória e do Milagre
dá que este povo ao teu amor consagre
todo o trabalho e fé!
Que vençamos as lutas e o progresso
de tuas milagrosas mãos egresso
nos conserve de pé.
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